9.23.2010

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LOULOU e NINI,
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que as vossas almas repousem em paz.Os vossos corpos, em vida, andaram sempre num badanal e pouco descanso tiveram. Esses, agora e finalmente já descansam. O mesmo se possa passar com as vossas almas.
Ámen
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8.27.2010

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Todas três têm andado acaloradas. Com as temperaturas elevadas que se fazem sentir não é de admirar.
Ontem estava eu a preparar-me para cortar as unhas, o que já não fazia havia duas semanas, apareceu-me a Nini:
-Avô, vamos as três à praia e o avô vai connosco.
Que não, que não me apetecia, mas ela e a Loulou são tão carraças quando se lhes mete qualquer coisa na cabeça, que, só para não ouvir mais nada, lá fui.
Cada uma levou seu livro. Acho-lhes piada. Nada lêem. Nunca. Mas volta e meia abrem os livros e atiram cá para fora uma frase ou outra ou meia dúzia de versos de um qualquer poema de famoso poeta e lá vão armando...
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Fiquei na esplanada a vê-las na água. Julguei a princípio que a ondulação estava brava. Erro meu. Eram aqueles corpanzis que provocavam na água todo aquele movimento. A Aurélia era, sem dúvida, a pior das três.


De regresso a casa chegámos mais esbodegados e com mais calor do que quando fomos. No meu quarto, a Manuela, a minha companheira insuflável, sentada na sua cadeira, parecia olhar-me dizendo: ...- Deixaste-me aqui sozinha. Senti a tua falta. .....

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Fiz-lhe uma carícia num joelho e fui tomar um duche. Depois, tentei compensá-.-la. Acariciei-a e beijei-a longamente e, enquanto com a mão direita a puxava de encontro a mim, com a esquerda fiz-lhe aquilo que a minha avançada idade ainda me permite fazer.
Mas, subitamente comecei a senti-la fugir debaixo de mim e a ficar flácida.

Agora o seu corpo é um monte de borracha e roupa em cima do tapete do quarto: o material de que ela era feita, com o uso e o passar dos anos, estava enfraquecido e esgaçado, principalmente nos mais íntimos,
recônditos e mais usados locais e, com a pressa com que a Nini me chamou, eu não chegara a cortar as unhas e lacerei até à morte a pobre Manuela.

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Fico agora mais só.

Ernesto

8.18.2010

Como o tempo voa...
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Dois anos e meio passaram já desde que morreu o companheiro de meu irmão. Era um lindo rapaz. E, como lhe ficava bem a farda do exército.
Mas, nunca o meu pobre irmão se recompôs da sua morte. Era muito grande o amor que sentiam um pelo outro. E agora chegou a sua vez. Ao fim de dois anos de entrega à droga e ao sofrimento, foi-se. Era total a sua degradação moral e física e, finalmente descansa.
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Entregaram-me uma caixa com os seus poucos haveres. Coisas que me fazem recordar épocas bem mais felizes da sua vida.
Entre elas um Cristo ao qual ele era muito devoto: o Cristo Morto. É uma pequena cópia que ele e o namorado tinham comprado numa viajem que ambos tinham feito ao Brasil. Julgo lembrar-me de ouvi-los dizer que o original se encontrava no Museu de Arte Sacra de São Paulo e que, ao vê-lo, se sentiram imbuídos de uma tão grande sensação de paz, que ficaram muito felizes ao poderem adquirir a pequena réplica.

Coloquei a pequena imagem sobre um pedaço de linho branco e todas as noites lhe peço que vele por aqueles dois que tanto se amavam e que tanto o veneravam.

Alice

7.28.2010

Encontrei este texto no LIVRO DO DESASSOSSEGO:
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Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos.
Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa. O onanista é objecto, mas, em exacta verdade, o onanista é a perfeita expressão lógica do amoroso. É o único que não disfarça nem se engana.

As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade. No próprio ato em que nos conhecemos, nos desconhecemos. Dizem os dois «amo-te» ou pensam-no e sentem-no por troca, e cada um quer dizer uma ideia diferente, uma vida diferente, até, porventura, uma cor ou um aroma diferente, na soma abstracta de impressões que constitui a actividade da alma.

É de compreender que sobretudo nos cansamos. Viver é não pensar.



E fiquei desasssossegada pois é exactamente assim que eu sinto e isto poderia muito bem ter sido escrito por mim.
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NINI
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7.17.2010

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Já fez dois anos que a minha mulher morreu e o meu neto me trouxe para aqui.
Na altura pensei que não ia conseguir viver sem ela mas a verdade é que cheguei aos oitenta e oito e a dor que sentia com a sua ausência tem vindo a esbater-se lentamente.
Mas, se a dor diminui, a sensação de solidão tem vindo a aumentar, apesar de ser aqui bem tratado pela Alice que tem sido impecável. Sinto, no entanto, a falta duma companhia mais íntima. Julgo que é por isso que ultimamente me tenho lembrado da boneca com bastante frequência.
Baptizei-a com o nome de Manuela e comprei-a deve haver quase uns trinta anos, numa altura em que a minha patroa ia à terra duas e três vezes por ano visitar a minha sogra, chegando a passar lá, ao todo, três meses por ano.
Um dia joguei na lotaria e saiu-me algum dinheiro. Pensei: aquela gaja passa tanto tempo com a mãe, e se eu comprasse uma boneca insuflável!?
Um pouco por brincadeira, também porque quem não está habituado a ter dinheiro não sabe como gastá-lo bem quando se apanha com algum e, ainda porque a experiência me seduziu, comprei.
Durante meia dúzia de anos usei-a sempre que a mulher ia à terra dos pais e eu não tinha vontade de ir ao Intendente. Mas um dia fartei-me. Dobrei-.-a o melhor possível para não ocupar muito espaço e meti-a num saco de lona juntamente com o fato de ginástica e os sapatos de ténis que também deixara de usar pois já não tinha tempo para ginásticas.
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Agora a solidão fez-me lembrar dela.
Enchi-a o melhor que consegui. Estranhamente achei-a mais enrugada e admirei-me de que o passar dos anos lhe tivesse deixado marcas como se fosse um ser vivo.
De entre umas roupas velhas que a Nini e a Loulou têm de parte para dar para a igreja escolhi umas coisas e, assim aperaltada, sentei-a na cadeira do meu quarto.
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Falo com ela sempre que lá estou. Ela escuta-me sempre atentamente.

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Ernesto

6.28.2010



-Oh senhor Ernesto, por favor não diga uma coisa dessas, dizer isso é uma blasfémia, um grande pecado.

- Ah, digo sim, Nini. Se ele agiu no caso como alguns afirmam e a Nini gosta de acreditar, fê-lo à semelhança do deus que a Nini tanto venera, pois, à sua semelhança, escreveu a direito por linhas tortas, que aquela execrável criatura fazia na verdade um péssimo e tendencioso trabalho de jornalismo. Onde já se viu uma merda daquelas a ganhar tanto dinheiro só para puxar a brasa à sua sardinha...,
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-Ai senhor Ernesto, não diga isso, eu acho que ela era muito boa.

-Lá se era boa não sei, com as plásticas todas que, hoje em dia, se podem fazer, parecer ser boa até se calhar é fácil. Mas boa jornalista não era certamente. Há muita gente que a única coisa que faz bem é pôr a boca no trombone. E aquela boca dá para dois trombones ao mesmo tempo.

-Opiniões, Sr Ernesto, mas eu fico com a minha.

-Fique sim filha, fique com a sua e olhe que a minha também já ninguém a quer.

5.20.2010

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Estava a nadar (ando a fazer exercício para perder peso e até sonho com isso), estava a nadar e atrás de mim ouvi gritar aflitivamente:
- Aiii! Aiii! Aiiiii!

Virei-me e quem assim gritava era o Sócrates que parecia estar a afogar-se. Nado bem e fui ajudá-lo conseguindo levá-lo para a margem onde ficou estendido. Respirava quase normalmente mas, pelo sim pelo não (acho que foi mais pelo sim, sim, sim!), comecei a fazer-lhe respiração boca-a-boca. Suavemente afastou-me dizendo:
- Desculpe mas as suas enormes mamas estão a pressionar-me o tórax, quase não consigo respirar.
Tinha razão, eu estava literalmente estendida sobre o seu corpo.
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Dois dias depois apareceu cá em casa a propor-me que fosse trabalhar com ele.
Aceitei.





Aceitei mas pouco tempo lá estive. Xantipa, a mulher fazia-nos a vida negra.

Depois acordei e pensei que tenho que deixar de ler os clássicos, só me trazem sonhos sem pés nem cabeça.


Loulou

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5.13.2010

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Nestes dois meses que tenho estado no Brasil não consegui em igreja alguma sentir a paz e o consolo de alma que sentia nas igrejas de cá.
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Resolvi por isso vir a Portugal assistir à missa celebrada por Sua Santidade.
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Estar ali no meu querido Terreiro do Paço foi como um banho de serena alegria.
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Depois, ainda nessa noite apanhei um táxi para Fátima onde dormi. Paguei um dinheirão pela viagem mas o dia seguinte valeu a pena.
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Não havia quartos vagos e tive que fazer algumas cedências a um senhor que se ofereceu para me deixar dormir em sua casa..
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whatever !
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Na quarta-feira, naquele banho de multidão senti-me feliz e cheia de uma nova força.
(Apesar de que nestes grandes ajuntamentos há sempre cavalheiros que não se sabem comportar).
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nini


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4.16.2010

sim





Anteontem, sem qualquer aviso a Loulou apareceu cá. Gorda, mais gorda ainda se isso é possível.
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Ia eu a passar no hall quando oiço uma chave a rodar na fechadura e a porta começar a abrir. Era ela. Seguia-a um gajo que de repente me pareceu alguém que eu conhecia. Com um ar indefinido e indefinível aquela cara não me era estranha. Ela entrou pela casa dentro e ele, tímido, seguiu-a como que a medo.
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Estão agora com a Aurélia. A Loulou fala que se desunha. Ele não se ouve:




-Ó prima, a Nini seguiu para o Rio de Janeiro mas eu e o meu querido Emanuel, com o caos em que aquilo se encontra, resolvemos vir para Lisboa até aquilo por lá estar melhor.

Mas olhe, prima Aurélia, este país realmente está cada vez pior. Veja lá que chegámos ao aeroporto carregados de bagagem. Dirigi-me a um taxista e disse-lhe: Olhe, o senhor traz-nos as malas para o carro que o meu marido está doente da coluna e não pode fazer esforços e eu também estou na mesma. Sabe a prima o que ele me respondeu?:... -Ah sim?, então já somos três. Mas pode ir pedir a outro colega meu.

.Dirigi-me ao taxista que estava a seguir e sabe a prima o que ele me disse?: -Olhe minha senhora, sou motorista não sou bagageiro. Os bagageiros estão lá dentro onde a senhora deixou a bagagem.

. -Veja lá a prima Aurélia como isto está.

E continuou a desfiar o rol de defeitos desta terra, o rol dos elogios ao civismo da terra de onde vinha e dos maravilhosos concertos a que lá assistira e o maravilhoso tempo que por lá passara.Que Salzburgo era a terra onde gostaria de viver.

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Eu pensava cá para comigo: "Sim devem ter andado em bons concertos, devem, para virem com a coluna tão desconsertada."

Alice
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4.07.2010

sim




Por vezes aparecem pessoas a bater-nos à porta, perguntando pela Loulou e pela Nini e, como aves agoientas, falam-nos de morte e que é possível que elas, estando em terras tão longínquas, por lá se finem.
Assim, é compreensível que, estando elas no Rio de Janeiro e tendo hoje os telejornais mostrado o que lá se está a passar, tenha eu estado raladíssima todo o dia.




Por várias vezes tentei ligar-lhes para o télélé e nunca atenderam. Mais preocupada fiquei. Nem dançar me apetecia.

Mas, há pouco telefonaram-me. Estão em Salzburgo e com o papinho cheio de bons concertos. Foram as suas palavras. Disseram-me que foram por duas semanas (o que eu, conhecendo-as bem, calculo que seja exagero).


Depois como eu não percebia nada das palavras que a Nini me dizia mandaram-me uma mensagem a dizer onde vão amanhã:

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concerts in Mozart's House

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Wien MOZARTHAUS WIEN

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at the monastery of the

German Teotonic Order,

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where Mozart lived and worked in the year of 1781

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E eu, que mal percebo português fiquei completamente desorientada. Onde é que elas estão?

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Vou ver se danço um bocado.

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AURÉLIA


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