Ontem estava eu a preparar-me para cortar as unhas, o que já não fazia havia duas semanas, apareceu-me a Nini:
-Avô, vamos as três à praia e o avô vai connosco.
Que não, que não me apetecia, mas ela e a Loulou são tão carraças quando se lhes mete qualquer coisa na cabeça, que, só para não ouvir mais nada, lá fui.
Cada uma levou seu livro. Acho-lhes piada. Nada lêem. Nunca. Mas volta e meia abrem os livros e atiram cá para fora uma frase ou outra ou meia dúzia de versos de um qualquer poema de famoso poeta e lá vão armando...
Fiquei na esplanada a vê-las na água. Julguei a princípio que a ondulação estava brava. Erro meu. Eram aqueles corpanzis que provocavam na água todo aquele movimento. A Aurélia era, sem dúvida, a pior das três.
De regresso a casa chegámos mais esbodegados e com mais calor do que quando fomos. No meu quarto, a Manuela, a minha companheira insuflável, sentada na sua cadeira, parecia olhar-me dizendo: ...- Deixaste-me aqui sozinha. Senti a tua falta. .....
.
Fiz-lhe uma carícia num joelho e fui tomar um duche. Depois, tentei compensá-.-la. Acariciei-a e beijei-a longamente e, enquanto com a mão direita a puxava de encontro a mim, com a esquerda fiz-lhe aquilo que a minha avançada idade ainda me permite fazer.
Mas, subitamente comecei a senti-la fugir debaixo de mim e a ficar flácida.
Agora o seu corpo é um monte de borracha e roupa em cima do tapete do quarto: o material de que ela era feita, com o uso e o passar dos anos, estava enfraquecido e esgaçado, principalmente nos mais íntimos,
recônditos e mais usados locais e, com a pressa com que a Nini me chamou, eu não chegara a cortar as unhas e lacerei até à morte a pobre Manuela.
.
Fico agora mais só.
Ernesto
8 comentários:
oh avô, bem se podia entreter com coisas mais úteis
que tal um voluntariadozito numa unidade de cuidados paliativos? ou no projecto "música nos hospitais"?
ou num banco de serviços num lar psiquiátrico?
o avô dava de comer ao pessoal e recebia tratamento de unhas, davam-lhe banho, hidratavam-lhe a pele...
Agora resta-lhe recitar uma meia dúzia de versos de um qualquer poeta famoso ....
Ernesto (deixe-me tratá-lo assim),
Entendo a sua dor, porque não há amor insuflável como o primeiro e porque comigo se passou mais coisa menos coisa o mesmo drama, embora eu seja pessoa de cortar as unhas uma vez por semana. Mas como bem sabemos, há outra parte da nossa anatomia que crava, perfura e dilacera as zonas mais vulneráveis das nossas amadas bonecas. Estou a referir-me obviamente aos nossos apêndices olfactivos, no afã louco de meter o dito cujo onde por vezes não é chamado.
Mas a vida tem de continuar e para a frente é que é caminho. Entretanto, ponho à sua disposição uma caixa de pensos rápidos que, para uma necessidade urgente, servem perfeitamente para tapar os rasgões na sua mais que tudo.
Com amizade
faz-se a solidão de tantos momentos diferentes
um beijo e um sorriso esboçadoo na leitura desta bela história
Avô que é Avô, logo logo arranja outro entretenimento.
:)
Oh Avô Ernesto, mas então isso é lá entretenimento de avô? Que tal uma sueca com os amigos no jardim público? Que tal um passeio apoiado na sua bengala pelo shopping refrigerado? Sei lá, acho actividades mais saudáveis para a sua idade:))))
ai amiga senhora Justine!!! que até o coração me parou! uma sueca e com os amigos, eu de repente só me lembrei da Anita Ekberg mas, com os amigos? não, a sra. d. Justine não pode estar a dizer isso. e então, só então (ai, a minha pobre cabeça), só então compreendi.
sabe, o jardim mais perto daqui ainda fica longe...
mas fico grato pelo conselho.
Ernesto
ó meu caro Ernesto, não se diminua que ainda perde clientela.
ainda está aí para as curvas... insuflavéis.
ABRAÇO
Enviar um comentário